* The film is featured at Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba, Brazil.
Closed circuit
Right around the thirty-minute mark of the feature film debut of France-based Colombian filmmaker Camilo Restrepo, Los Conductos, there is a scene at a department store where the film’s protagonist, Pinky (Luis Felipe Losano), tries to sell the bootleg shirts he had spent a good part of the first act making – a job that recalls the role played by ink and printing in Restrepo’s La Impresión de una Guerra (2015), whose material emphasis gets lost in the film’s English title. The scene ends with a cut-away to a security camera behind a transparent dome on the ceiling, framed dead-center in the 16mm 1.33:1 aspect ratio, a mise-en-scène choice that remains consistent throughout. Behind the dome, the video camera automatically pans and tilts, scanning the room without ever resting on a focal point. The editing cuts to a medium shot of Pinky looking up; but instead of mimicking the vantage point of the security camera above him, this shot is framed below eye level, with the 16mm camera looking up at him, while he looks up at the other camera.
These two shots do not hold a particularly central place in the narrative, because in many ways Los Conductos is a film without a center. They do, however, enact that very absence: the steady, perfectly composed 16mm shot of the video camera, framed in the exact center of the composition, is countered by the mobility of the video camera as a subject, which seems to move around its own visual gravitational center. And then there is the cut to Pinky, a traditional shot/reverse-shot pair that refuses the possibility of symmetry, as if the film itself moved around the gravitational center of its own drama.
Los Conductos does not have a center, but it is not decentralized. In fact, the compositional strategy of the film constantly alludes to a center that isn’t there – a gunshot that happens off-screen; a bullet hole on a shirt that becomes a tunnel; a balloon that floats aimlessly, full of air, full of space. The film is obsessed with its own heart long after it has been removed, therefore it devotes all its time and creativity to scrutinize the surroundings of the void. If the camera is a conducto, more than a conductor, its channels flow in cabotage.
As with any obsession, the film is a collection not really of repetitions of a single refrain, but of revelations of common (visual, aural, semantic) features within different shapes, like the bodies of unrelated strangers can sometimes evoke the passionate memory of the same face: a motorcycle driving through a tunnel; an elevator moving in the ribcage of a building; the rotating silk screen press that rhymes with a standing fan… circular shapes punched through the two-dimensional rectangle that prescribes the view, like cigarette burns that warn the viewer we are always approaching the end of the reel.
They went to working-class neighborhoods,
to measure holes in the road.
Each of these holes
represented as much public money diverted by corruption.
They dropped giant tape measures into the holes.
They laughed hysterically at the number and incredible size of the holes.
(…)
They said the holes were so huge
that cars fell in and drove down parallel streets to ours,
then fell through other holes
to resurface from time to time
on a road that overlooked all others.
Since cinema is an art of showing, only sound can strip the ghost of its flesh: Los Conductos is a silent film with an elaborate sound design that tries to reconstitute – a word that seems to describe Camilo Restrepo’s practice not only here, but also in Cilaos (2016) and La Bouche (2017) – what was not there. That foundational absence generates a form of dramatic paradox, reenacting a moment that never happened, fabulating the traumatic effects of a religious cult of which we hear more than we see. Time is spatialized: a temporal loop is not only the metaphorical return to the beginning; a loop is an actual loop, a line that has been bent to become the edges of a hole.
The cohesion of the film’s conceptual rigor speaks to the specificity of the world it documents and reinvents – a world where life travels through tubes with the promise of copper and light, and the future speaks the language of patterns. While filmmakers with impressive trajectories in short films like Teddy Williams, Leonardo Mouramateus, Mati Diop, and João Vieira Torres, haven’t quite achieved the same level of astonishment in their first feature films, with Los Conductos Camilo Restrepo manages to sustain the strength past the immediacy of the impact, in a work that coheres with and expands the singular attitude of his short films.
* * *
* O filme está na programação do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Cinema de Curitiba.
Circuito fechado
Por volta de trinta minutos adentro Los Conductos, longa de estréia de Camilo Restrepo, diretor colombiano radicado na França, há uma cena numa loja de departamentos onde o protagonista, Pinky (Luis Felipe Losano), tenta vender as camisetas pirateadas que ele passara boa parte do primeiro ato estampando – trabalho que remete ao papel da tinta e das impressões em Impressão de uma Guerra, seu curta de 2015. A cena termina com um cut-away para uma câmera de segurança em uma redoma transparente pendurada no teto, enquadrada bem no centro do formato 1.33:1 do 16mm, escolha de mise-en-scène que é consistente ao longo do filme. Sob a redoma, a câmera de vídeo gira automaticamente em todas as direções, perscrutando o espaço sem repousar em um ponto focal. A montagem corta para um plano médio de Pinky, que olha para cima; mas, em vez de adotar o ponto de vista da câmera de segurança sobre a sua cabeça, ele é filamdo em contra-plongée, com a câmera de 16mm abaixo de seus olhos, que olham para a câmera de vídeo, acima.
Esses dois planos não ocupam um lugar particularmente central na narrativa, pois Los Conductos é um filme sem um centro. No entanto, eles encenam exatamente essa ausência: o plano fixo e perfeitamente composto em 16mm é confrontado à mobilidade da câmera de vídeo enquadrada, que parece se mover ao redor de seu centro gravitacional visual. E então há o corte para Pinky, um tradicional par de plano/contraplano mas que nega a possibilidade de simetria, como se o filme estivesse se movimentando ao redor de centro gravitacional de seu próprio drama.
Los Conductos não tem um centro, mas tampouco é descentralizado. Na verdade, sua estratégia visual se refere constantemente a um centro que não está lá – um tiro fora de quadro; uma camisa com um furo de bala que se torna um túnel; um balão de gás que flutua sem destino, cheio de ar e de espaço. É um filme obcecado com um coração já há muito retirado, e que portanto dedica todo seu tempo e criatividade a mapear o contorno do vazio. Se a câmera é um conducto, seus canais fluem em cabotagem.
Como toda obsessão, a do filme se dá não exatamente na coleção de repetições de um refrão único, mas no desvelamento de traços comuns (visuais, sonoros, semânticos) em forma diferentes, como corpos estranhos podem evocar a memória afetiva de um mesmo rosto: uma motocicleta que atravessa um túnel; um elevador percorrendo o dorso de um prédio; a prensa rotativa de silk screen que rima com um ventilador de pé… formas circulares que esburacam o retângulo bidimensional que prescreve o olhar, como marcas de cigarro que avisam ao espectador de que o rolo está sempre próximo do fim.
As pessoas dos bairros pobres os chamavam
para pedir o tamanho dos buracos das ruas.
Cada buraco era uma prova tangível
de que os políticos corruptos
tinham roubado dinheiro destinado às obras públicas.
As câmeras filmavam colocando a fita métrica nos buracos.
Eles riam das vezes que viam buracos tão grandes e profundos.
(…)
Eles diziam que os buracos eram tão grandes
que carros inteiros cabiam neles,
carros que transitavam nas ruas paralelas às nossas,
caindo depois em outros buracos
e ressurgindo de tempo em tempo no ponto superior
pra que seus motoristas pudessem
ver o mundo de cima, em sua inteireza.
Como o cinema é uma arte do mostrar, somente o som pode despir de carne o fantasma: Los Conductos é um filme mudo com um elaborado desenho sonoro que tenta reconstituir – palavra que parece descrever a prática de Camilo Restrepo não só aqui, mas também em Cilaos (2016) e La Bouche (2017) – o que não estava lá. Essa ausência fundante gera uma espécie de paradoxo dramático, reencenando momentos que jamais ocorreram, fabulando os efeitos traumáticos de uma seita religiosa da qual se conta mais do que se mostra. O tempo é feito espaço: o loop temporal não é somente um retorno metafórico ao princípio; o loop é de fato um laço, uma linha que é dobrada até se tornar as margens de um buraco.
A coesão do rigor conceitual do filme expressa o específico de um mundo – um mundo onde a vida viaja por tubos que prometem cobre e luz, e o futuro fala a língua das estampas. Enquanto cineastas com trajetórias notáveis no curta-metragem como Teddy Williams, Leonardo Mouramateus, Mati Diop, e João Vieira Torres não atingiram o mesmo arrebatamento em seus primeiros longas, com Los Conductos Camilo Restrepo sustenta o impacto além do golpe, reforçando a coerência e expandindo a sensibilidade singular que demonstrava em seus curtas.
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