The experience at Veredas – A Generation of Brazilian Filmmakers has been so rewarding that I would like to stretch it a little longer. Whether you’ve seen or not Gabriel Martins’ and Maurilio Martins’ terrific In the Heart of the World (2019), which was featured in the program at Film at Lincoln Center, Contagem (2010) and Dona Sônia Borrowed a Gun from her Neighbor Alcides (2011), the two short films that inspired the feature, are available on YouTube with English subtitles (as well as Maurilio Martins’ Fifteen, 2014, which I consider another piece – on a different key – of the same puzzle). I’m including below the English version of a short review I published at Cinética as part of a longer piece at the time of Contagem’s premiere, where some of the most singular aspects of their filmmaking were already strong enough to catch the eye and the ears.
Contagem (2010), Gabriel Martins and Maurilio Martins
* Originally published at Cinética in November 2010.
Contagem, by Gabriel Martins and Maurilio Martins, is built around proper cinematic dilemmas: a labyrinthic narrative structure; a play with genre that relies strongly on its conventions; a pleasure with text and dialogue that leads to very powerful performances by the actors on screen; a pool of notably cinephiliac references; etc. But there is something special about Contagem that becomes clear already with its opening shots: at the same time that the interest in genre and the care with the mise-en-scène may suggest a stylization of mood that is not that far from David Cronenberg’s A History of Violence (2005), a couple of shots later the jittery camera might follow a character in the urgency of the neighborhood’s streets, evoking the Dardennes’ Rosetta (1999) or The Son (2002). The fact that the Martins can swiftly shift between strategies that evoke directors as distinct as Cronenberg and Jean-Pierre and Luc Dardenne is an evidence of the freedom and intelligence that roots the filmmaking choices, revealing the once irreconcilable as perfectly harmonious.
The reason for that is that Contagem is made not of the clash between different registers, but of their orchestration. At the same time that the film is shaped by a visible level of stylization and control, the actors pulse freely in interactions full of life that bend the film’s structural play, generating and ambiguity between the forces on screen and the ones that determine the limits of the screen – the bodies in action and the directors’ gaze. This interest that does not exclude the camera nor what is in front of it is responsible for Contagem’s greatest virtue: next to Ghosts (Fantasmas, 2009, by André Novais Oliveira, which is played by the directors of Contagem, who run the production company Filmes de Plástico with him), the film is a rare example in contemporary Brazilian cinema to notice the wrapping musicality of an accent, a specific idiom, a slang or expression that we apprehend bypassing recognition. Contagem incorporates this local noise to the universalistic structure of a thriller, much like Scorsese embraces the habits of his own Little Italy. And even better: the film does that not for the self-sufficient value of anthropologically “recording” these voices, but because it realizes all that they can make new, lively, and vibrant in the “more-of-the-same” – a primordial task of genre filmmaking.
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Contagem (2010), Gabriel Martins and Maurilio Martins
* Publicado originalmente na Cinética em Novembro de 2010.
Contagem, de Gabriel Martins e Maurilio Martins, tem como centro dilemas propriamente cinematográficos: uma narrativa de estrutura labiríntica; um trabalho de gênero fortemente calcado em suas convenções; um gosto pelo diálogo e pelo texto que convergem na força dos atores em cena; um conjunto de referências notavelmente cinéfilo; etc. Mas há algo de especial em Contagem que fica claro já em seus primeiros planos: ao mesmo tempo em que o flerte com o gênero e o cuidado de mise en scène sugerem uma estilização na construção de climas não muito distante do Cronenberg de Marcas da Violência (2005), no momento seguinte uma das personagens sai à rua e a câmera cola em sua nuca, evocando a urgência de Rosetta (1999) ou O Filho (2002), dos irmãos Dardenne. Que a dupla de diretores consiga passar sem qualquer resistência entre referências tão díspares quanto Cronenberg e os Dardenne só faz reforçar o quanto de liberdade o filme se permite, e o quanto de inteligência fundamenta suas opções. Se ontem mesmo escrevi sobre a tentativa de “conciliar o inconciliável” em A Alegria, de Marina Meliande e Felipe Bragança, Contagem vai um tanto mais adiante: revelar conciliável o que antes nos parecia inconciliável.
Pois Contagem não vive do choque dos registros, mas sim de sua orquestração. Ao mesmo tempo em que temos um filme de algum nível de estilização e controle, temos atores que vibram livremente em cena, em interações cheias de vida que dobram o jogo estrutural do filme, produzindo uma ambiguidade entre as forças em tela e as que decidem os limites dessa tela – os corpos em cena e o olhar dos diretores. Esse interesse que não exclui a câmera nem o que está diante dela leva àquela que é talvez a maior virtude de Contagem: é, ao lado de Fantasmas (filme de André Novais Oliveira protagonizado pelos próprios diretores de Contagem, sócios de André na produtora Filmes de Plástico), um dos raros filmes no panorama atual a perceber o quão envolvente pode ser um sotaque, uma maneira particular de falar, uma gíria ou expressão que apreendemos sem reconhecer. Contagem incorpora essa sujeira local a uma estrutura de thriller universal, tal como Scorsese e os hábitos de sua Little Italy. E melhor: o faz não por um bom mocismo antropológico do “registro” dessas falas, mas sim por perceber o quanto ela pode trazer de novo, vivo e vibrante ao “mais do mesmo” – tarefa constante e primordial dos cineastas de gênero.
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