In flames
On Thursday I rewatched, for the third time, one of the most striking films of the past few years: Bertrand Bonello’s Nocturama, which Film at Lincoln Center included in their 50th Mixtape: Free Double Feature program, alongside Lee Chang-dong’s Burning (2018). The contrast between the two was revelatory. Lee Chang-dong’s much-celebrated adaptation of Haruki Murakami has interesting scenes and some boundary-pushing use of cinematography (the use of dusk is especially impressive), but the film telegraphs its missing narrative links so often that it manages to make its very openness feel schematic. Nocturama, on the other hand, favors the build-up over the pay-off; for that reason, it gets stronger every time I revisit it.
Following a lineage of historical explorations of youth as a thermometer of political action – Jean-Luc Godard’s La Chinoise (1967); Michelangelo Antonioni’s Zabriskie Point (1970); Robert Bresson’s The Devil, Probably (1977); Michael Haneke’s Benny’s Video (1992); Olivier Assayas’ Cold Water (1994); Hou Hsiao-hsien’s Goodbye South Goodbye (1996); Tiago Mata Machado’s The Sleepwalkers (2018) – Nocturama concentrates on a group of young adults spread across a wide spectrum of class, ethnicity, age, and gender in present-day France, who work together on a terrorist attack in Paris. However, instead of using subjective narration to track causes and effects, the director reduces the plot to the tension of an opaque choreography reminiscent of both versions of Elephant – the 1989 TV version directed by Alan Clark (which Bonello screened for the cast and crew before they started shooting Nocturama), and the 2003 feature by Gus Van Sant, referenced in a t-shirt design in Bonello’s film.
The focus on movement and on the circulation of bodies in space finds a privileged expression in the film’s use of music. Whether it’s Willow Smith’s “Whip My Hair” rejoicing in the explosions of public and corporate buildings, the dance number to Blondie’s “Call Me,” the pantomime of Paul Anka’s “My Way,” or the mephistophelean use of John Barry’s theme music for the TV show The Persuaders! in the film’s third act, Bonello uses music to create an immediate web of affect that bonds the characters together, but also implicates the audience in their actions. Terror runs deep, but acts on the surface: if the viewer craves for a conclusion, they must find it in the among the shattered glass of the blown-up facades, or in the doppelganger of coded individualism purchased with a Nike outfit.
Paradoxically, the withdrawal of sociological components makes the film more radically political. Bonello’s choice to sabotage character contextualization, background exposition, or narrative depth creates an unsettling paradox, enacting the anchorless stasis of living under neoliberalism, at the same time that it refuses the neoliberal model of the hero’s journey – the story of an individual subsumed in a three-act structure. In Nocturama, there are no heroes and no journey; there are only bodies adrift – severed limbs caught mid-air after an invisible explosion, electrified by the accidental refrain made by a scratch on a record.
This strange temporality finds its most elaborate expression in the editing work by Fabrice Rouaud. As a linear process, the film’s choreography relies on a very precise indication of time, which goes as far as incorporating a superimposed clock, marking the hour and the minutes of the decisive moments in the film. But, at the same time, this linearity always appears to be pushing against an inevitable dead end. Whether it is in the perspectival shifts of the action-packed first 55 minutes, or in the lingering wait that comes after the attacks, the linearity of the narrative (or of the historical process) seems to constantly hit a wall, bending against its past.
More than a mere stylistic ornament, this operation expresses as time what Achilles Mbembe calls necropolitics – regimes of power that control populations through the right to kill, legitimized by states of exception that the same regime continuously creates (in this sense, the central role played by Georges Bataille in Mbembe’s essay suggests an interesting bridge between Nocturama and Bonello’s other masterwork, the 2011 feature House of Tolerance). The opacity of the characters disseminates this state of exception as a rule: the wait at the empty department store is an accelerated version of death row.
The democratization of flashy, colorful terror orchestrated in the film’s mise-en-scène saves its most striking use of scratched editing for the murder by the state of a secondary character – a homeless man who David (Finnegan Oldfield) invites into the department store, so he can join them in their last meal. The moment of death is repeated from different angles, as if the film itself could not make it past that sinister dance in which death doesn’t happen every afternoon, but every other second. Nocturama beautifully and terrifyingly captures the collapse of a civilization under the weight of knowing that there is nowhere to go but down, and no way to go but in flames.
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Em chamas
Na última quinta-feira reassisti, pela terceira vez, um dos filmes mais acachapantes dos últimos anos: Nocturama, de Bertrand Bonello, exibido no Lincoln Center em programa duplo com Em Chamas (2018), de Lee Chang-dong. O contraste entre os dois filmes foi pedagógico. A celebrada adaptação que Lee Chang-dong fez de Haruki Murakami para o cinema tem cenas interessantes e um trabalho de fotografia por vezes corajoso (o uso da luz do poente é particularmente impressionante), mas o filme telegrafa suas pontas soltas com tanta frequência que termina por tornar sua construção como obra “aberta” esquemática. Nocturama, por outro lado, privilegia a escalada em relação ao cume; justo por isso, torna-se mais forte a cada revisão.
Seguindo uma linhagem de mapeamentos históricos da juventude como termômetro de ação política – A Chinesa (1967), de Jean-Luc Godard; Zabriskie Point (1970), de Michelangelo Antonioni; O Diabo, Provavelmente (1977), de Robert Bresson; Benny’s Video (1992), de Michael Haneke; Água Fria (1994), de Olivier Assayas; Adeus ao Sul (1996), de Hou Hsiao-hsien; Os Sonâmbulos (2018), de Tiago Mata Machado – Nocturama se concentra em um grupo de jovens adultos esparramados em um amplo espectro de posições de classe, etnia, idade, e gênero na França dos dias de hoje, que executam, juntos, um ataque terrorista em Paris. No entanto, em vez de usar estratégias de subjetivação narrativa para rastrear causas e efeitos, o diretor reduz a trama à tensão de uma coreografia de opacidades que remete às duas versões de Elefante – o filme feito para a BBC Irlandesa por Alan Clark, em 1989 (que Bonello exibiu para equipe e elenco antes de as filmagens de Nocturama começarem), e o longa de Gus Van Sant, de 2003, que é referenciado no design de uma das camisetas que aparecem no filme de Bonello.
A atenção ao movimento e à circulação de corpos no espaço encontra força especial no uso de música. Seja pela junção catártica de “Whip My Hair”, de Willow Smith, às imagens de prédios públicos e corporativos indo pelos ares, pelo número de dança ao som de “Call Me”, do Blondie, pela pantomima de Paul Anka em “My Way”, ou pelo uso mefistofélico do tema de John Berry para o seriado The Persuaders! no terceiro ato do filme, Bonello usa música para criar uma teia imediata de afetos que liga os personagens, mas que também implica o espectador em suas ações. As ramificações do terror são profundas, mas elas agem na superfície: se o espectador demanda uma conclusão, ele precisará catá-la entre os escombros das torres de vidro espatifadas, ou no duplo que codifica o individualismo em uma coleção da Nike.
Paradoxalmente, a retirada de componentes mais evidentemente sociológicos parece tornar o filme mais radicalmente político. A escolha por sabotar contextualização de personagens, exposição de backstory, ou profundidade narrativa cria um desconcertante paradoxo, encenando a paralisia desancorada da vida sob o neoliberalismo, ao mesmo tempo em que recusa o modelo neoliberal da jornada do herói – a história de um indivíduo subsumida em uma estrutura em três atos. Em Nocturama, não há heróis, nem há jornada; há apenas corpos à deriva – membros decepados voando pelos ares após uma explosão invisível, eletrizados pelo refrão acidental criado por um arranhão em um disco.
Essa estranha temporalidade encontra sua expressão mais elaborada na montagem de Fabrice Rouaud. Como um processo linear, a coreografia do filme depende de indicações precisas de tempo, que chegam até mesmo a adicionar um relógio sobre a imagem, marcando a hora e os minutos de momentos decisivos do filme. Mas, ao mesmo tempo, essa linearidade parece sempre tentar transpor um inevitável beco sem saída. Seja pelas mudanças de perspectiva na ação ininterrupta dos primeiros 55 minutos do filme, ou pela espera que se esparrama após os ataques, a linearidade da narrativa (ou do processo histórico) parece bater constantemente em uma parede, se curvando sobre seu próprio passado.
Mais do que mero ornamento estilístico, essa operação expressa como tempo o que Achilles Mbebmbe chama de necropolítica – regimes de poder que controlam populações reivindicando seu direito de matar, legitimado por estados de exceção que ele próprio provoca (nesse sentido, o papel central dado a Georges Bataille por Mbembe em seu artigo cria uma sugestiva ponte entre Nocturama e a outra obra-prima de Bonello, L’Apollonide, de 2011). A opacidade das personagens dissemina esse estado de exceção como uma nova regra: a espera na loja de departamentos esvaziada é uma versão acelerada do corredor da morte.
A democratização de um terror brilhante e colorido na mise-en-scène do filme guarda seu uso mais radical de montagem arranhada para o assassinato, pelo estado, de um personagem secundário – um morador de rua que David (Finnegan Oldfield) deixa entrar na loja de departamento, para que ele possa ter sua última ceia. O momento da morte se repete em diversos ângulos, como se o próprio filme não conseguisse superar aquela dança sinistra onde a morte não acontece todas as tardes, mas a todo segundo. Nocturama captura, com beleza e terror, o colapso de uma civilização sob o peso da certeza de que não há destino além do fim, e de que o fim aguarda em chamas.
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