Since 2014, the filmmaker Carlos Adriano has released a singular series titled Apontamentos para uma Autocinebiografia (em Regresso) – Sketch Notes for a Self Biopic (in Regress). Originally released as standalone films at both local and international film festivals, the entire series is now presented alongside Festejo Muito Pessoal (A Very Personal Celebration, 2016 – a short film based on the eponymous 1977 article by the Brazilian film critic Paulo Emílio Salles Gomes) in the exhibition E Para que Poetas em Tempos de Pobreza? – And What Are Poets for in a Time of Poverty, at Instituto Tomie Otahke, in São Paulo, until July 28.
The titles of the films – whose running time varies between 6 and 32 minutes – already stage the paradox of their construction: all the pieces are called Untitled, but in each of them the negated title is followed by a number (there are five so far) and then an exclusive subtitle (the title of the exhibit is the subtitle of Untitled #3). This tension between the particular and the general, the personal and the collective, the authored and the unidentified, is at the heart of the series, whose bulk appropriates works of film, music, and literature in order to reflect on important encounters in the director’s personal life – especially the one with the late Bernardo Vorobow, an important name in Brazilian cinephilia and film promotion, and the director’s partner.
For the viewer unfamiliar with Carlos Adriano’s work, the show provides the opportunity to see the entirety of the series (until the present moment) at once, totaling a little over 90 minutes. Alternating between projections on walls with speakers, projections with headphones, and single monitors with headphones, the visitor is asked to physically move in order to embark on this cinematic journey, going from the appropriation of a digitally tinted musical number with Fred Astaire and Ginger Rogers in a George Stevens’ Swing Time (1936) in the exhilarating Untitled #1 – Dance of Leitfossil (2013) to the meditation on the constructivist vocation of Yasujiro Ozu’s last film, Sanma no Aji (An Autumn Afternoon, 1962) in Untitled #5 – A Rotina Terá Seu Enquanto (Untitled #5 – A Tune of None at Noon, 2019).
For the viewer already familiar with the films, the show provides a very different experience than that allowed by theatrical exhibition. Installed in two different rooms, the combination of projections and monitors, speakers and headphones, enact the tension between the private and the public that animates the films. While the theatrical apparatus enhances the fleeting nature of the cinematic images, and of the memories they are there to evoke, the large-scale projection used for Untitled numbers 1, 3, 4, and 5 reinvests them with bodily presence, “muralizing” their evanescent gestures. At the same time, the small-scale monitors used for Untitled #2 – La Mer and Festejo Muito Pessoal condenses the exuberance of early cinema’s natural imagery (especially water – an element which is also the protagonist of MarMúRio, a new piece by Adriano now on view at Museu de Arte do Rio, in Rio de Janeiro) into pocket-size evocations, personalizing the original monumentality of the landscapes.
But there’s another important change in the viewer’s position which is granted by the exhibition format. By keeping two to four works in the same space, Adriano turns his own appropriation work into appropriatable material, inviting the viewer to glean with their eyes and ears from his selection of images and sounds, testing different combinations. With this, the filmmaker’s personalized memories, which had found a form in all these borrowed presences, are returned to the commons, allowing the viewer to sync the cuts with different heartbeats, and to live the dream of seeing Ginger and Fred dancing to “Singin’ in the Rain.”
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Cinepoemas de Carlos Adriano
Desde 2014, o cineasta Carlos Adriano vem lançando uma série singular chamada Apontamentos para uma Autocinebiografia (em Regresso). Lançados originalmente como curtas individuais em festivals no Brasil e exterior, a série agora é apresentada em conjunto, ao lado do Festejo Muito Pessoal (2016) – curta baseado em artigo epônimo de Paulo Emílio Salles Gomes, publicado em 1977 – na exposição E Para que Poetas em Tempos de Pobreza? no Instituto Tomie Otahke, em São Paulo, até 28 de Julho.
Os títulos dos filmes – cujas durações variam entre 6 e 32 minutos – encenam o paradoxo de sua construção: todas as peças se chamam Sem Título, mas em cada uma delas a negação de título é seguida por um número (há cinco até o momento) e por um subtítulo exclusivo a cada uma (o nome da exposição é o subtítulo de Sem Título #3). Essa tensão entre o particular e compartilhado, o pessoal e o coletivo, o assinado e o não-identificado pulsa o coração da série, que se apropria de obras de cinema, música, e literatura para promover uma reflexão acerca de encontros importantes na vida pessoal do diretor – em especial o encontro com o falecido Bernardo Vorobow, nome incontornável na cinefilia e promoção do cinema no Brasil, e parceiro de vida e trabalho do diretor.
Ao espectador que ainda desconhece o trabalho de Carlos Adriano, a exposição traz a oportunidade de ver a série completa (até o presente momento) de uma só vez, totalizando pouco mais de 90 minutos. Alternando entre projeções com alto-falantes, projeções com fones de ouvido, e monitores com fones de ouvido, o visitante é solicitado a se mover fisicamente para embarcar nesta viagem cinematográfica, indo da apropriação de uma viragem digital de um número musical com Fred Astaire e Ginger Rogers em Ritmo Louco (1936) no deslumbrante Sem Título #1 – Dance of Leitofssil (2013) à meditação sobre a vocação construtivista de Yasujiro Ozu em seu último filme, A Rotina Tem seu Encanto (Sanma no Aji, 1962), em Sem Título #5 – A Rotina Terá Seu Enquanto (2019).
Ao espectador já íntimo dos filmes, a exposição oferece uma experiência muito diferente da permitida pela exibição em sala de cinema. Instalada em duas salas, a combinação entre projeções e monitores, e de alto-falantes e fones de ouvido, presentifica a tensão entre o privado e o público que vibra nos filmes. Enquanto o dispositivo da sala de cinema enfatiza a natureza fugidia das imagens cinematográficas e das memórias que elas evocam, a projeção em grande-escala usada para os Sem Título de números 1, 3, 4 e 5 reinveste essas imagens com presença corporal, “muralizando” a evanescência dos gestos. Ao mesmo tempo, os pequenos monitores usados para Sem Título #2 – La Mer e Festejo Muito Pessoal condensam a exuberância da natureza no primeiro cinema (em especial a água – elemento que também protagoniza MarMúRio, a mais nova obra de Carlos Adriano, em exposição no Museu de Arte do Rio) em evocações de bolso, personalizando a monumentalidade original das paisagens.
Mas há uma outra mudança importante na posição do espectador que é trazida pelo formato de exibição na exposição. Ao reunir duas ou quatro obras em um mesmo espaço, Adriano transforma seus filmes de apropriação em material novamente apropriável, convidando o espectador a catar com os olhos e ouvidos fragmentos desta seleção de imagens e sons, viabilizando outras combinações. Com isso, as memórias pessoais do cineasta, que haviam encontrado forma nestas presenças emprestadas, são devolvidas ao comum, permitindo ao espectador sincronizar os cortes a outros batimentos cardíacos, e viver o sonho de ver Ginger e Fred dançarem ao som de “Singin’ in the Rain”.
Eleonora Santa Rosa says
Muito bom! Belíssimo artigo para uma belíssima obra!
Viva Carlos Adriano!