My friends at Cinema Tropical asked me to write a short tribute to the great Luiz Rosemberg Filho, who passed away 10 days ago. Here’s a Portuguese translation of the piece.
Uma vida inconformada: Luiz Rosemberg Filho (1943-2019)
A trajetória do cineasta Luiz Rosemberg Filho é marcada pelo ritmo de um passo que atravessa o compasso. Em semana em que o cinema brasileiro volta às páginas principais pelos importantes prêmios no Festival de Cannes, a história enluta a morte de Rosemberg com a lembrança de memória bem menos eufórica da Croisette: em 1978, seu filme Crônica de um Industrial foi selecionado para o festival, mas impedido de ser exibido pela censura brasileira. Àquela altura, a obra do cineasta já carregava as marcas da brutalidade do estado. Cineasta inconformado no sentido mais preciso da letra, Rosemberg já tinha visto seu filme anterior, A$suntina das Amérikas (1976), ser censurado em sua totalidade, e seu longa de estréia, O Jardim das Espumas (1971) – “uma sopa de pedras bem temperada”, como disse Glauber Rocha – se tornar um marco do cinema marginal muito embora pouco tenha sido visto: censurado à época de seu lançamento, o filme fora dado como perdido em meados dos anos 1980 (Rosemberg costumava dizer que o produtor havia usado os negativos para fazer uma vassoura).
Depois da experiência exploitation com O Santo e a Vedete (1982), Luiz Rosemberg Filho interrompeu a produção de longas, mas não se afastou do cinema. Em 1986, organizou e publicou uma influente antologia crítica sobre o cinema de Jean-Luc Godard – cineasta de visível identificação em sua inquietação estética. Na década de 1990, durante o apagão de financiamento que seguiu o fim da Embrafilme, Rosemberg deu início a uma série de vídeo-ensaios, acumulando dúzias de trabalhos pouquíssimo vistos. Mais que uma carreira, seu cinema era uma ética e uma prática, uma forma de refinar e articular sua perplexidade diante de um mundo bovinamente pós-utópico.
O tempo, porém, aos poucos lhe alcançou. Em 2014, o produtor, cineasta, e dono de locadora Cavi Borges deu início à produção de um novo longa de Rosemberg. No mesmo ano, a CineOP – que preparava uma homenagem ao diretor – localizou uma cópia em 16mm de O Jardim das Espumas – uma ficção científica especulativa feito colagem que junta Hitler, King Kong, e a contracultura carnavalesca – na França, e terminou por encontrar também outro de seus filmes perdidos, Imagens (1972) – um épico silencioso na encruzilhada entre Pasolini, Philippe Garrel, e o cinema experimental americano – nos arquivos do mesmo cineclube francês. Depois de décadas de desencontros, os astros pareciam começar a se alinhar.
Por volta do lançamento de seu primeiro longa em décadas, Dois Casamentos (2015), o diretor criou um canal no YouTube e disponibilizou a maior parte de sua obra até aquele momento. Subitamente, novas gerações de críticos, pesquisadores, cineastas, e cinéfilos tinham acesso ao trabalho de toda uma vida dedicada à interrogação radical da política e da estética, com filmes que reivindicavam a poesia, questionavam a sensualidade, expunham a grande mídia, atacavam a política institucional, e expressavam um desconforto permanente com a deterioração da vida no Brasil. Mas, mais que isso, a criatividade sem concessões de Rosemberg se tornou presença constante: desde sua volta ao longa-metragem, ele lançou outros dois longas – incluindo o impressionante Guerra do Paraguay (2016), um tour de force da persistência da vida nos escombros da masculinidade – e um punhado de curtas que tiveram boa circulação, muitas vezes acompanhados do próprio diretor, pelo circuito de festivais.
Luiz Rosemberg morreu no dia 19 de maio, aos 75 anos, depois de enfrentar um câncer. Sua morte, porém, não impede que ele siga apontando para um novo porvir, na forma de O Bobo da Corte, um novo longa-metragem ainda a ser lançado.
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