I’m thrilled to join Dana Khromov, Valeria Meiller, Sebastián Figueroa, and Ashley Brock in a series of articles called “Reframing Humans, Animals and Land in Contemporary Brazilian and Argentinan Cinema,” published at the website of the Penn Program in Environmental Humanities. My piece explores the use of landscape in the 2017 film Ava Yvy Vera – A Terra do Povo do Raio (Ava Yvy Vera – the Land of the Lightning People) by the Guarani and Kaiowa filmmakers Genito Gomes, Valmir Gonçalves Cabreira, Jhonn Nara Gomes, Jhonaton Gomes, Edina Ximenes, Dulcídio Gomes, Sarah Brites, and Joilson Brites, highlighting the contribution of indigenous media to Brazilian iconography. The original piece is here, but I’m including a Portuguese translation of the essay below.
O que faz a terra
Uma composição ensolarada de uma árvore à beira de uma estrada de terra cercada por plantações que transbordam os limites do quadro. O cenário lembra as Brasilianas (1945-58) de Humberto Mauro, série de curtas dirigidos pelo padrinho do Cinema Novo que apresentava paisagens como fontes de uma etnomusicologia avant la lettre da música popular brasileira. Ao mesmo tempo, a simetria do quadro traz à mente o cinema de Chantal Akerman e James Benning, criando tableaux de desorquestrada musicalidade. Muito embora essas referências talvez pareçam inevitáveis a espectadores cinéfilos, Ava Yvy Vera não está particularmente dedicado a fazer uma genealogia do cinema brasileiro, ou a uma filiação a autores de estética radical. Este plano de abertura, que persiste por mais de cinco minutos, expressa essa diferença: a simetria de Akerman ou Benning é abalada pela câmera na mão, tornando abstrata a separação entre imagem e corpo; a romantização da música popular da série de Mauro é substituída por uma voz, gravada in situ, que recorda uma tragédia e língua tão nativa (Guarani) que demanda legendas. “Eu sempre vinha debaixo daquela árvore para fazer a ligação,” diz a voz masculina. “Só à noite mesmo dava pra vir aqui… Tem muito, muito pistoleiro por aqui.”
Esta fazendo luminosa é mortal durante o dia; melhor à noite, quando o visível não é tão visível, e o silêncio ecoa um outro som. Mas esta troca entre noite e dia é apenas um exemplo de uma inversão holística que acontece ao longo do plano. Ava Yvy Vera foi realizado por um grupo de cineastas estreantes do povo Guarani e Kaiowá, com apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por meio do projeto Imagem Canto Palavra nos Territórios Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Após uma oficina ministrada por instrutores ligados à universidade, os cineastas usaram equipamento de vídeo para capturar uma realidade de opressão por meio da rememoração do assassinato de Nísio Gomes, líder Guarani e Kaiowá.
O trauma é uma paisagem onde uma árvore mal faz sombra. “Aqui neste lugar era tudo mato e cerrado, e agora olha só no lugar dele… Aqui tinha bastante guavira… cupinzeiro… e bastante remédio.” Agora os campos estão tomados de plantações de soja para exportação. O espaço mítico do “campo” – usado aqui como denominação de um espaço concreto, mas também mitológico (o “campo” como sinônimo da zona rural) e cinematográfico (o espaço cênico) – não é um idílio, como em O Menino e o Mundo (Alê Abre, 2013) ou de conflito político, como em Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, 1984). Aqui, a folhagem ordenada esconde a extinção da vida nativa, e a paisagem rural é parte de um aparato de vigilância. É tudo questão de ponto de vista, e uma das muitas contribuições do cinema indígena brasileiro é esta capacidade de questionar todo um sistema simbólico com uma simples torção de perspectiva.
Depois de dois minutos e cinquenta segundos de um plano tremulamente fixo, a câmera começa a se mover em direção àquela árvore, que ocupa o centro do quadro. “Só aqui na árvore pegava sinal de celular… essa árvore ficou para mim como uma torre.” Em vez de um choque entre natureza e cultura, o filme articula um universo de ancestralidade high-tech em que trocas complexas são realizadas: a última árvore sobrevivente é uma torre de comunicação; o vento foi criado pelo homem branco (karaí), que derrubou todas as árvores; a câmera é tanto uma presença externa quanto a ferramenta queria filmado o algoz de seu líder. Quando a vista gira em panorâmica, mostrando as plantações enquanto a voz descreve o que costumava ser aquele lugar, camadas de história se fundem na dialética entre imagem e som, entre passado e presente. Qual a pertinência de oposições sistemáticas entre o rural e o urbano no banho de sangue diário do agronegócio?
Pela maior parte dos 45 minutos que seguem, Ava Yvy Vera reinvindica este espaço por meio da documentação da vida em comunidade e por reencenações em abismo. No entanto, os momentos cruciais – a abertura, o encerramento, e o relato do assassinato de Nísio Gomes – surgem como paisagens narradas, como se o corpo fosse um mediador indesejável entre a voz e o mundo. Esses planos espelham o paradoxo da própria experiência cinematográfica: o passado e o futuro acontecem aqui e agora. No fim do filme, a câmera novamente perde de vista a figura humana e enche a tormenta da noite com uma voz. Na sala de cinema, o espectador compartilha daquela mesma escuridão atravessada por relâmpagos de iluminação: “Cheguei no lugar do raio sem fim. Aqui estou vendo todos com a mesma pintura… o tempo é assim.” Na reencenação atrasada de um trauma demasiado presente, Ava Yvy Vera aponta para um cinema futuro que só pode surgir do enfrentamento com a parcialidade do passado, e com a brutalidade do presente.
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