The precision of uncertainty
There was a running joke among the Cinema Novo filmmakers that Joaquim Pedro de Andrade could never quite figure out what the 180-degree rule was all about. In classical Hollywood cinema and beyond, the 180-degree rule – also known as “the line” – is a basic convention to sustain spatial consistency between different shots. One of its most pedestrian applications is for dialogue scenes: if two characters are looking at each other in a scene, the rule allows the director to create a shot-reverse shot pattern where character A is always looking screen-left, and B is always looking screen-right, giving the viewer the impression that those separate headshots are talking to each other. The same applies to continuity: by always placing the camera on the same side of an imaginary line drawn between two markers (two characters in conversation; or a character and a prop or element in a location), a character walking left-to-right in one shot can walk in the same direction in a different location, so that the editing can fabricate an impression of seamless movement.
In The Priest and the Girl (1966), Joaquim Pedro’s feature-length debut, the staging not only disregards this classical rule (like Yasujiro Ozu, for example), but purposefully subverts it. The film’s rigorous mise-en-scène creates a consistent pattern out of systematic spatial ruptures, which generates a cubist experience of space, and a dramatic tension built on the accumulation of small surprises that are patiently gleaned by Eduardo Escorel’s editing. The result is an unlikely eisesteinian film, in which drama is mostly a result of ingenious graphic tension.
Combined with the microscopic precision of the direction that allows internal emotions to be acted, choreographed, and embodied, this disruptive attitude towards spatial consistency slowly builds up a feeling of productive uncertainty: are these characters looking at each other when they speak? Or are they looking away? How did the priest (Paulo José) end up running into the girl (Helena Ignez), when everything indicated he was actually walking away from her? Are they escaping from the past towards an open future, or are they stuck in a spiral that always takes them back? Is this reality, dream, or projection; is prose a latent form of poetry?
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Precisa incerteza
Há uma piada famosa entre o grupo cinemanovista de que Joaquim Pedro de Andrade nunca conseguiu entender a regra do eixo de 180 graus. No cinema clássico hollywoodiano e além, a regra do eixo é uma convenção que garante a coerência espacial entre dois planos independentes. Uma de suas aplicações mais corriqueiras é em sequências de diálogo: se dois personagens estão de frente um para o outro em uma cena, a regra permite que o diretor crie uma decupagem de plano-contraplano de forma que o personagem A esteja sempre olhando para o lado esquerdo da tela, e o B olhe sempre para o lado direito, produzindo no espectador a impressão de que aqueles retratos individuais são partes de uma mesma conversa. O mesmo vale para continuidade: ao manter a câmera sempre de um mesmo lado de uma linha imaginária entre dois marcadores (dois personagens que conversam; ou um personagem e um elemento de cenário), um corpo que anda da esquerda pra direita em um plano pode prosseguir caminhando na mesma direção em uma locação totalmente distinta, para que a edição crie uma impressão de movimento fluido e ininterrupto.
Em O Padre e a Moça (1966), longa de estréia de Joaquim Pedro, a encenação não só ignora esta regra clássica (como fazia Yasujiro Ozu, por exmeplo), mas de fato se alimenta de sua subverção. A mise-en-scène rigorosa enreda uma paisagem de rupturas espaciais sistemáticas que produz uma experiência cubista do espaço, e uma tensão dramática erigida no acúmulo de pequenas surpresas, pacientemente colhidas pela montagem extraordinária de Eduardo Escorel. O resultado é um filme surpreendentemente eisensteiniano, em que o drama se dá sobretudo em sua própria tensão gráfica.
Somada à precisão microscópica da direção que permite que emoções internas e silentes sejam superficializadas, coreografadas e encarnadas, essa atitude que perturba a constância espacial urde um sentimento de produtiva incerteza: os personagens se olham quando conversam? Ou olham em direções opostas? Como o padre (Paulo José) terminou de frente com a moça (Helena Ignez), se tudo indicava que ele tentava se afastar dela? Eles estão fugindo do passado em direção à clareira do futuro, ou estão presos em uma espiral que sempre retorna ao ponto de partida? Será realidade, sonho ou projeção; será a prosa uma forma latente de poesia?
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