The crossroad between the cinema and the gallery space is one of complementarity and dissent. At the same time that moving image works made for the museum are in many ways a refusal of cinema – sometimes, a refusal of the very apparatus: the dark room, the hidden projector, the rows of seats – they often prolong cinema as history, memory, and repository of styles, advancing some of its abandoned attempts, shedding light on its ontology from a different angle that reveal specific traces and features, as if the white cube allowed one to see what has passed unnoticed in the dark.
In his video and film work, Jonathas de Andrade places himself at this intersection as a drifting revisionist. Some of his best work seems to move sideways, questioning the assumptions of cinema-vérité (The Uprising – 2013, recently displayed at MoMA) and ethnographic film (The Fish, 2016, which was at the New Museum last year), implicating the museum space as a new layer of self-reflexivity in the history of both modes of filmmaking. His least interesting work, among the ones I’ve seen, keeps film history behind his back, revealing a blind spot: The Housekeeper, 2016 (part of a show at Alexander and Bonin, in 2017) revisits Joaquim Pedro de Andrade’s short film about Gilberto Freyre, O Mestre de Apipucos (1959), and literalizes the film’s offscreen space reshooting it as a portrait of a housekeeper of the author of Casa Grande e Senzala (The Masters and the Slaves) – an allusion that was much more active in the purposeful invisibility created by Joaquim Pedro de Andrade.
Voyerístico – which has recently closed at the same Alexander and Bonin, accompanying the excellent installation Eu, Mestiço – is the first work I’ve seen by Andrade that uses an artistic procedure that is a convention in the visual arts world (the inventory) in order to move forward, and advance a specific aspect of film history. Roughly put, the film is a collection of glimpses of hands opening wallets so that the camera can record their contents. Instead of showing the whole action, Andrade slices the movement in shots that last only a couple seconds, creating a discontinuous continuity – a raccord interrupted by a black screen – between different hands in different locations, opening different wallets. The movement that begins with one hand is continued by another hand, and another hand, and another, until the film reencounters the first hand already at a later stage.
While the title, “voyeuristic,” hints at a first layer of social critique (the contemporary voyeur as someone who consumes the sight of other people’s money), the work’s political charge is enhanced in relation to a classic in film history: Robert Bresson’s L’Argent (1983). In his last film, Bresson uses money not only as a catalyst for his usual choreography of hands, but also as a metacommentary on that very choreography: depersonalized, decontextualized, de-psychologized, the gesture is what carries the ballast of drama. The hands become the vessel for Bresson’s faith on the cinematographer as an art that reaches recondite depths of the soul by adhering to the surface, replacing the complexity fabricated by theater (contradictions; dynamic relationships; character psychology) with the mystery protected by the opacity of the skin. Money is not the self, but a form of moderator; it is the vehicle for the gesture – the handshake, the exchange, the pickpocketing – directing the actions, mediating interactions, and consummating relationships. Yet the hand remains both physically and proverbially at the center of the stage.
In his short work, Jonathas de Andrade dedramatizes the gesture even further: there’s no face, no contextual information, and no direct sound, which is replaced by the heightened, isolated frequencies of post-sync Velcros and close-mic’d rustle. Even the gesture itself is emptied out of personality, chopped like one continuous action, as if the hands found no space for expression outside of this production line of sameness. Instead, the people have become the objects: it is the wallet that speaks. Fetishism is reification.
However, as time progresses, this visual stuttering also unfolds as a kaleidoscope of fabrics, colors, and textures that survive as a safe haven for the self. The human infiltrates the object, re-personalizing it, and the inventory rehearses a character study: who’s the person in that photo someone keeps in their wallet? Why does this other person keep all their cards facing down? And what about that dollar bill? Where was this shot? And when? As the gesture struggles to plow through the intermittent black screen and complete itself, it is no longer about money, but about the house of money, the place where value is once again abstracted, conceited, and effaced. And even though a wallet is also a safe – a display of an economy of visibility – in Voyerístico the house of money is not blueprint nor a geometric wooden frame – as in Bernd and Hilla Becher – but a home, an ever-twisting Rubik’s cube that forms the image of a face, in order to conceal another.
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A identidade deslocada
O encontro entre o cinema e a galeria se dá em uma encruzilhada entre a complementaridade e o dissenso. Ao mesmo tempo em que trabalhos de imagens em movimento feitos para o museu são, em diversas instâncias, uma negação do cinema – às vezes, recusa do próprio aparato: a sala escura, o projetor oculto, as poltronas em fila – eles com frequência prolongam o cinema enquanto história, memória e repositório de estilos, avançando com tentativas abortadas, e iluminando sua ontologia a partir de outro foco capaz de revelar traços específicos, como se o cubo branco permitisse ver o que passava despercebido no escuro.
Em seu trabalho em película e vídeo, Jonathas de Andrade ocupa essa interseção como uma revisionista à deriva. Algumas de suas melhores obras parecem se mover lateralmente, questionando pressupostos do cinema vérité (O Levante, 2013) e do documentário etnográfico (O Peixe, 2016), implicando o espaço do museu como nova camada de auto-reflexividade na história de ambos os registros. Seu trabalho menos interessante, entre aqueles que vi, mantém a história às suas costas, revelando um ponto cego: O Caseiro (2016) revisita O Mestre de Apipucos (1959), curta de Joaquim Pedro de Andrade sobre Gilberto Freyre, e literaliza o extracampo do filme ao refilmá-lo sob a perspectiva do caseiro do autor de Casa Grande e Senzala – alusão muito mais ativa na invisibilidade propositiva criada por Joaquim Pedro de Andrade.
Voyerístico, seu trabalho mais recente, é o primeiro que vejo de Andrade que toma posse de uma convenção do universo das artes visuais (o inventário) para avançar um aspecto específico da história do cinema. O filme é uma coleção de mãos que abrem carteiras para que a câmera possa filmar os pertences ali guardados. Em vez de mostrar a ação completa, Andrade fatia o movimento em planos que duram poucos segundos, criando uma continuidade descontínua – um raccord interrompido por uma tela preta – entre diferentes mãos em diferentes locações, abrindo carteiras distintas. O movimento começado por um par de mãos é continuado por outro par de mãos, e em seguida por outro, e outro mais, até que o filme reencontra a primeira mão já num momento seguinte.
Embora o título indique uma camada mais superficial de crítica social (o voyeur contemporâneo consome a imagem do dinheiro dos outros), a carga política do filme é amplificada se pensada em relação a um clássico da história do cinema: O Dinheiro (1983), de Robert Bresson. Em seu último filme, Bresson usa o dinheiro não só como um catalisador para sua coreografia de mãos, mas também como metacomentário sobre a própria coreografia: despersonalizado, descontextualizado, e despsicologizado, o gesto é o que guarda o lastro do drama. As mãos se tornam veículo para a fé de Bresson no cinematógrafo como uma arte capaz de alcançar os recônditos da alma ao se ater à superfície, substituindo a complexidade fabricada do teatro (contradições; relações dinâmicas; psicologia de personagens) pelo mistério preservado pela opacidade da pele. O dinheiro não é o ser, mas uma espécie de mediador; é o veículo para o gesto – o aperto de mãos, a troca, a carteira batida – dirigindo as ações, interpelando interações, e consumando relações. Ainda sim, é a mão quem ocupa, física e proverbialmente, o centro das atenções.
Em seu curta, Jonathas de Andrade desdramatiza ainda mais o gesto: não há rosto, informação contextual ou som direto, que aqui é substituído pelas frequências isoladas de velcros pós-sincronizados e tecidos gravados em estúdio. Mesmo o gesto, em si, é esvaziado de personalidade, recortado como uma ação contínua, como se a expressão fosse interditada às mãos fora de uma linha de montagem do mesmo. São as pessoas que se tornaram os objetos: aqui, é a carteira quem fala. Fetichismo é reificação.
No entanto, conforme o filme avança, essa gagueira visual se desdobra também como um caleidoscópio de tecidos, cores e texturas que se impõem como um porto-seguro do eu. O humano infiltra o objeto, repersonalizando-o, e o inventário esboça um estudo de personagem: quem será a pessoa na foto 3×4 guardada em uma das carteiras? Por que uma das pessoas guarda todos os cartões com as faces para baixo? E aquela nota de dólar? Onde será que ela foi filmada? E quando? Enquanto o gesto se esforça para romper a tela preta intermitente e se completar, percebe-se que não é mais questão de dinheiro, mas sim da casa do dinheiro, o lugar em que o valor é uma vez mais escondido, apagado e tornado abstrato. E muito embora uma carteira seja também uma espécie de cofre – uma demonstração de uma economia de visibilidade – em Voyerístico a casa do dinheiro não é apenas uma planta baixa ou uma estrutura geométrica – como em Bernd e Hilla Becher – mas um lar, um cubo mágico a se retorcer indefinidamente até formar a imagem de um rosto, e esconder, neste movimento, uma outra face.
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